Numa manhã invernal, nas entrelinhas de sua própria história, aquela criança precisou desistir de si — não por fraqueza, mas por tentar compreender a realidade virtual do seu mundo: tão empírico, tão funcional, tão abruptamente real. Talvez aquela alma antiga já não quisesse mais ver ou sentir. Hibernou em um espaço-tempo que nem mesmo as leis de Einstein ousariam decifrar. Talvez porque ela era — e sempre foi — a centelha da razão, aprisionada num corpo humano ferido pelo próprio homem.
Naquele mesmo dia, quando o céu se abriu e o sol reinou sobre constelações apagadas por sua magnitude, o menino caminhou descalço sobre o asfalto ardente. Talvez a dor fosse apenas um lembrete: o corpo tem limites. Já não era inverno. O aroma de terra molhada soprava com a brisa. De longe, ainda ecoavam murmúrios — como sirenes indistintas — dentro do seu pensamento. E mesmo sem saber, talvez ele acreditasse que sua existência era um ponto de inflexão entre o tangível e o imaginário. Mas, no fundo, ele sabia que num piscar de olhos...
Como uma folha de outono flutuando no tempo. Como o olhar imprevisto de um recém-nascido. Como o sussurro energético dos pensamentos esquecidos — chegaria a hora de assumir a responsabilidade que apenas a experiência de viver é capaz de outorgar.
Como o brilho de olhos que nunca deixaram de buscar. Como o acolhimento de um cuidado ancestral. Como a sinergia primitiva entre homem e natureza — era hora de dizer adeus.
Adeus ao ego que envenena. Adeus à ignorância que cresceu da dor. Adeus ao rio que silenciou a brutalidade humana sem nunca deixar de correr. Era hora de ser. Apenas ser.
Ser o eu que veio de nós. O eu que fala e escuta. Que ama e luta. O eu da senhora que carrega séculos na esquina. O eu do menino que alucina. O eu que veio para ficar. O eu que ensina — e que dói na pele toda vez que diz “não” àquilo que precisa ser, de novo, elaborado.
Esse eu que vive em mim. Esse eu que é você e está com você. Procure-o. Ame-o. Cuide-o. Entenda-o. Eduque-o. Escute-o. Observe-o. Ele é o superpoder esquecido do homem do futuro — aquele mesmo, ainda ferido por outros homens — mas que agora desperta. Ele reinará, não por dominação, mas por harmonia. Uma harmonia que ecoará por toda a extensão do tempo. Esse eu, que se estenderá para além das estrelas milenares, saberá: Eu sou. Mas também, você é.
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